Inflamação

A inflamação (do Latim inflammatio, atear fogo) ou processo inflamatório é uma resposta dos organismos vivos homeotérmicos a uma agressão sofrida. Entende-se como agressão qualquer processo capaz de causar lesão celular ou tecidual. Esta resposta padrão é comum a vários tipos de tecidos e é mediada por diversas substâncias produzidas pelas células danificadas e células do sistema imunitário que se encontram eventualmente nas proximidades da lesão.

A inflamação pode também ser considerada como parte do sistema imunitário, o chamado sistema imune inato, assim denominado por sua capacidade para deflagar uma resposta inespecífica contra padrões de agressão previamente e geneticamente definidos pelo organismo agredido. Esta definição se contrapõe à da imunidade adquirida, ou aquela onde o sistema imune identifica agentes agressores específicos segundo seu potencial antigênico. Neste último caso o organismo precisa entrar em contato com o agressor, identificá-lo como estranho e potencialmente nocivo e só então produzir uma resposta.

Aspectos históricos
A inflamação é conhecida desde a antiguidade. O primeiro a descrevê-la em seus constituintes fundamentais foi Aurélio Cornélio Celso, na Roma antiga, cerca de 50 a.C.. Já no século XIX, o patologista alemão Rudolf Virchow introduziu o conceito de perda funcional e estabeleceu as bases fisiopatológicas do processo inflamatório.

Fisiopatologia (mecanismos de instalação)
Os neutrófilos migram dos vasos sangüíneos para o tecido inflamado via quimiotaxia, e então removem os agentes patológicos através da fagocitose e da degranulação.

À agressão tecidual se seguem imediatamente fenômenos vasculares mediados principalmente pela histamina. O resultado é um aumento localizado e imediato da irrigação sangüínea, que se traduz em um halo avermelhado em torno da lesão (hiperemia ou rubor). Em seguida tem início a produção local de mediadores inflamatórios que promovem um aumento da permeabilidade capilar e também quimiotaxia, processo químico pelo qual células polimorfonucleares, neutrófilos e macrófagos são atraídos para o foco da lesão.

Estas células, por sua vez, realizam a fagocitose dos elementos que estão na origem da inflamação e produzem mais mediadores químicos, dentre os quais estão as citocinas (como, por exemplo, o fator de necrose tumoral e as interleucinas), quimiocinas, bradicinina, prostaglandinas e leucotrienos. Também as plaquetas e o sistema de coagulação do sangue são ativados visando conter possíveis sangramentos. Fatores de adesão são expressos na superfície das células endoteliais que revestem os vasos sanguíneos internamente.

Estes fatores irão mediar a adesão e a diapedese de monócitos circulantes e outras células inflamatórias para o local da lesão.

Em resumo, todos estes fatores atuam em conjunto, levando aos eventos celulares e vasculares da inflamação. Resulta em um aumento do calibre de capilares responsáveis pela irrigação sanguínea local, produzindo mais hiperemia e aumento da temperatura local (calor). O edema ou inchaço ocorre a partir do aumento da permeabilidade vascular aos componentes do sangue, o que leva ao extravassamento do líquido intravascular para o espaço intersticial extra-celular. A dor, outro sintoma característico da inflamação, é causada primariamente pela estimulação das terminações nervosas por algumas destas substâncias liberadas durante o processo inflamatório, por hiperalgesia (aumento da sensibilidade dolorosa) promovida pelas prostaglandinas e pela bradicinina, mas também em parte por compressão relacionada ao edema.

Manifestações clínicas
Classicamente, a inflamação é constituída pelos seguintes sinais e sintomas:

  • Calor; aumento da temperatura corporal no local
  • Rubor; hiperemia
  • Edema; inchaço
  • Dor;
  • Perda da função.

Pode-se classificar a inflamação em dois tipos principais, conforme sua velocidade de instalação: a aguda e a crônica. Inflamação aguda é aquela que se instala rapidamente, como por exemplo após um acidente onde ocorre lesão tecidual de forma súbita. A inflamação crônica se instala de forma lenta e insidiosa, como por exemplo nas doenças reumatológicas tais como a artrite reumatóide e o lupus eritematoso sistêmico. Esta classificação não diz respeito à gravidade do processo, mas apenas, como já dito acima, à velocidade de instalação. Assim, podem existir processos inflamatórios agudos de baixo grau ou alto grau de gravidade, o mesmo ocorrendo com a inflamação crônica.

Afora isto, é possível ainda classificar a inflamação segundo algumas de suas características peculiares, tal como abaixo descrito:

  • Adesiva – inflamação na qual existe uma quantidade de fibrina que provoca a aderência entre tecidos adjacentes.
  • Alérgica – desencadeada por mecanismos alérgicos, como sucede, por exemplo, na asma e na urticária.
  • Atrófica ou Esclerosante – aquela que evolui para a organização do exsudato inflamatório de que resulta cicatrização e atrofia da região afectada.
  • Catarral – processo que é mais frequente na mucosa do aparelho respiratório mas que pode atingir outras mucosas. É caracterizada, fundamentalmente, por hiperemia dos vasos, edema tissular e secreção de muco de consistência viscosa.
  • Crupal – inflamação fibrinosa com produção de falsas membranas não diftéricas.
  • Eritematosa – inflamação congestiva da pele.
  • Estênica – forma aguda com fenômenos circulatórios e calor intensos.
  • Fibrinosa – forma exsudativa em que existe uma grande quantidade de fibrina coagulável.
  • Granulomatosa – processo crônico proliferativo com formação de tecido granuloso ou granulomas.
  • Hiperplásica ou Hipertrófica – cursa com neoformação de fibras de tecido conjuntivo.
  • Intersticial – variedade na qual a reacção inflamatória se localiza preferencialmente no estroma e no tecido conjuntivo de suporte de um órgão.
  • Necrótica – processo intenso com produção de um foco de necrose.
  • Inflamação parenquimatosa – aquela que atinge primordialmente a estrutura nobre e funcional de um tecido ou seu parênquima.
  • Proliferativa – aquela em que o aspecto mais característico é o grande número de macrófagos com neo-formação tecidual.
  • Purulenta ou Supurativa – inflamação em que se forma pús.
  • Reactiva – a forma que surge à volta de um corpo estranho.
  • Reumática – surge como resposta à existência de doenças reumatológicas, ou seja, acometendo primordialmente as articulações.
  • Serosa – aquela em que a exsudação é essencialmente serosa ou de aspecto semelhante ao soro.
  • Térmica – provocada pelo calor.
  • Tóxica – devida a uma substância tóxica ou veneno.
  • Traumática – surge como consequência de um traumatismo.

Doenças inflamatórias

É sabido, atualmente, que processos inflamatórios tomam parte de um enorme número de doenças, muitas das quais se desconheciam até recentemente quais os mecanismos causadores. Em outras, consideradas antes como degenerativas ou próprias do envelhecimento, a inflamação veio a se tornar a mais importante explicação.

Doenças auto-imunes
A inflamação é um dos principais componentes das doenças auto-imunes. Este grupo de doenças se caracteriza por uma resposta imunológica do organismo contra componentes próprios identificados como estranhos pelo sistema imune. Disto resulta uma agressão inflamatória que assume características clínicas diversas, de acordo com o tecido ou sistema afetado.
Dentre as mais conhecidas doenças deste grupo estão o lupus eritematoso sistêmico e a artrite reumatóide em adultos. Em crianças podem ser citadas a artrite reumatóide juvenil e a febre reumática entre as mais importantes e prevalentes.

Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica
O termo Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (SRIS ou SIRS em língua inglesa) foi proposto para descrever a reação inflamatória desencadeada pelo organismo frente a qualquer agressão seja ela de natureza infecciosa ou não-infecciosa. Caracteriza-se pela presença de ao menos dois dos seguintes critérios clínicos:

  • Temperatura corporal > 38 °C (febre) ou
  • Frequência respiratória > 20 incursões respiratórias/minuto (hiperpnéia ou taquipnéia) ou uma pressão parcial de CO2 no sangue arterial
  • Frequência cardíaca > 90 batimentos cardíacos/minuto.
  • Aumento ou redução significativos do número de células brancas (leucócitos) no sangue periférico (>12.000 ou

É fácil concluir que a ocorrência de SIRS isoladamente não é em si mesma de extrema gravidade, pois surge eventualmente em condições clínicas benignas, como por exemplo em infecções localizadas ou após cirurgias. Entretanto, em unidades de terapia intensiva e entre pacientes cujos sistemas de defesa do organismo encontram-se comprometidos, a SIRS pode tornar-se de fato ameaçadora à vida especialmente quando vem associada a outros fatores de gravidade.
Quando associada a comprovação clínica ou laboratorial de infecção, tem-se a definição de sepse ou sepsis. Sepse associada a hipotensão arterial refratária é definida como choque séptico. Quando se verificam sinais de ao menos uma insuficiência orgânica concomitante, tem-se então a sepse severa.

Asma
A asma é hoje considerada uma doença inflamatória das vias aéreas. Geralmente relacionada a estados de hipersensibilidade, a asma leva a obstrução das vias aéreas ou brônquios por meio da produção de secreção excessiva, edema da parede brônquica e broncoconstricção.

Aterosclerose
Anteriormente considerada como doença degenerativa ou relacionada ao envelhecimento, a aterosclerose veio a se caracterizar nas últimas duas décadas, e a partir de pesquisas realizadas nos mais diversos campos da medicina básica e clínica, como sendo causada por um processo inflamatório das artérias (aterosclerose coronariana). Diversos fatores contribuem para sua gênese. Dentre eles estão o estresse mecânico ao endotélio vascular causado pela hipertensão arterial, o estresse oxidativo levando a geração de lipoproteínas oxidadas com elevado potencial aterogênico, um possível e ainda inexplicado estado inflamatório crônico e a participação de microorganismos como a Chlamydophila pneumoniae, bactéria encontrada diversas vezes no interior de placas de ateroma das artérias.

Tratamento
Existem drogas ou medicamentos capazes de interferir no processo reacional de defesa do organismo de modo a minimizar o dano (agressão por parte dos próprios tecidos frente ao agente agressor) e dar maior conforto ao paciente. Estes medicamentos são denominados antiinflamatórios, podendo estes ser de natureza hormonal ou não hormonal

Antiinflamatórios hormonais
Antiinflamatórios ditos hormonais (esteróides), também conhecidos como glicocorticoides, corticóides ou corticosteróides, são agentes inibidores da produção de prostaglandinas e leucotrienos pela ação inibitória sobre a enzima fosfolipase A2, por meio da liberação de lipocortina-1 (mediador protéico antiinflamatório). O resultado final da ação destes antiinflamatórios é a parcial ou total redução da liberação dos prostaglandinas e também dos leucotrienos. A lipocortina-1 atua por seqüestrar o substrato fosfolipídico e/ou inibir diretamente a enzima. Qualquer um desses mecanismos poderia contribuir para a redução na produção tanto do fator ativador de plaquetas quanto dos eicosanóides, observada na presença de corticóides. Os glicocortocóides reduzem a transcrição de várias proteínas inflamatórias, como algumas citocinas, óxido-nítrico sintetase induzida e ciclooxigenase 2. Tal efeito explica grande parte de suas ações farmacológicas.

Antiinflamatórios não-hormonais
Antiinflamatórios não-hormonais promovem inibição da ciclooxigenase, outra enzima envolvida na produção de prostaglandinas. Não interferem com a geração de leucotrienos, mantendo parte do processo inflamatório inalterado e ativo. Seu principal uso é na redução dos sintomas da inflamação como a dor e o edema.

Referências
Richard A. Goldsby, Thomas J. Kindt, Barbara J. Osborne. Kuby Imunologia. 4.ed. Revinter, 2002. ISBN 85-7309-637-3
Vinay Kumar, Abul K. Abbas, Nelson Fausto. Robbins e Cotran: Patologia: Bases Patológicas das Doenças. 7.ed. Elsevier, 2005. pp. 1504. ISBN 85-352-1391-0

 

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* Número de páginas: 238
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